O terceiro módulo do curso PMACV – “Prostituição: mudanças, autoimagens, confrontações e violências”, abordou o tema “A indústria do sexo e o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual”, ministrado por Ir. Eurides Alves de Oliveira (ICM), socióloga e mestre em Ciências da Religião. Membro da Rede Um Grito pela Vida e da Comissão Especial Pastoral de Enfrentamento ao Tráfico da CNBB; articuladora do GT de Formação das CEBs do Brasil e religiosa da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria, ela compartilha conhecimento e suas experiências para contextualizar este assunto tão complexo.
O curso busca possibilitar um processo de sensibilização social a respeito da prostituição e suas interfaces, especialmente entre profissionais, pesquisadores e estudantes, convidando a sociedade a conhecer melhor essa temática, bem como entender como a Rede atua junto às mulheres assistidas. Falar em prostituição é também revelar a invisibilidade social e o estigma que naturaliza as violações de direitos humanos das mulheres. Com uma reflexão abrangente sobre o universo prostitucional, a Congregação das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor, interpelada pela realidade, constata que é momento de transitar as encruzilhadas, como espaço de diálogo e integração com o diferente, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e com equidade de gênero.
Primeiramente, Eurides apresentou a Rede Um Grito pela Vida, que atua no enfrentamento ao tráfico de pessoas a partir de uma aliança intercongregacional, e trouxe a força de seu hino:
Um grito pela vida tão sofrida quero ouvir!
Milhares de outras vozes solidárias vão se unir!
Não mais o trabalho escravo, não mais a exploração!… No grito, a dor e o pranto
Do canto-libertação! (Irmã Miria Koling)
O tráfico de pessoas é uma ferida no corpo da humanidade contemporânea, em especial das mulheres
Tráfico de pessoas é uma prática criminosa que mercantiliza as pessoas para obter lucros com seus corpos no mercado sexual, sua força de trabalho como mão de obra escrava, com a venda de órgãos, a servidão doméstica e outras formas de exploração.
Ir. Eurides destaca que, há séculos, “esta chaga social vem marcando a história da humanidade como um crime difícil de ser extinguido. A partir do ano 2000, o Protocolo de Palermo definiu o tráfico como o recrutamento, a transferência, a comercialização e subjugação das pessoas a um regime de escravidão.”
Elementos do Tráfico de Pessoas (UNODC)
O ato (o que é feito):
Recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou o acolhimento de pessoas.
Os meios (como é feito):
Ameaça ou uso da força, coerção, abdução, fraude, engano, abuso de poder ou de vulnerabilidade, ou pagamentos ou benefícios em troca do controle da vida da vítima.
Finalidade (por que é feito):
Para fins de exploração, que inclui prostituição, exploração sexual, trabalhos forçados, escravidão, remoção de órgãos e práticas semelhantes. Para verificar se uma circunstância particular constitui tráfico de pessoas, considere a definição de tráfico no protocolo sobre tráfico de pessoas e os elementos constitutivos do delito, conforme definido pela legislação nacional pertinente.
O Art. 3 (b) determina que o consentimento da vítima é irrelevante caso qualquer um dos meios (ameaça, abuso, coerção, abuso de autoridade etc).
Quando voltamos o olhar para as vítimas, relatórios apontam que o gênero feminino é o mais afetado e vulnerável. E se aprofundamos na realidade imposta pela pandemia, a situação é ainda mais grave.
Notou-se que 51% das pessoas traficadas estavam fragilizadas economicamente (UNODC, 2020a). Trata-se de fator preponderante para risco ao tráfico de pessoas, e que foi exacerbado durante a pandemia da COVID-19. A atual situação global traz um duplo desafio para o enfrentamento ao tráfico de pessoas: o agravamento das condições socioeconômicas de milhões de pessoas e a maior dificuldade das instituições em identificar vítimas e/ou conduzir investigações e persecuções criminais (UNODC, 2020b).
Com um olhar sensível e atualizado, Eurides compartilha referências para nos aprofundarmos neste tema, como o artigo Tráfico de Pessoas sob a ótica de gênero: o pandemônio das mulheres em tempos ordinários e pandêmicos, de Julia de Albuquerque Barreto e Inês Virgínia Prado Soares. O texto faz parte da publicação Tráfico de Pessoas – Um visão plural do tema, lançado pelo Ministério Público do Trabalho e Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – Conaete.
Tráfico de pessoas (mulheres) no universo da prostituição: conexões, diferenças e riscos
Em sua explanação, Ir. Eurides comenta a relação entre prostituição e tráfico de pessoas (Mulheres), e ressalta que a distinção ou não de prostituição voluntária e prostituição forçada são questões polêmicas entre as pensadoras feministas e também entre as mulheres que vivem da prostituição.
Segundo a Convenção da ONU/1950, a exploração da prostituição é punível e o consentimento para aquelas práticas é irrelevante.
Por isso, “o tráfico sexual se constitui como uma forma de violência contra as mulheres, mas requer uma leitura pluridimensional e múltiplas perspectivas” que, conforme destacado, “atravessam e se entrelaçam dentro das relações de gênero, patriarcado, mercado, do próprio poder estatal e do sistema socioeconômico, bem como o capitalismo cada vez mais imerso nas novas tecnologias. Existem também críticas ao diálogo fechado, com análises conservadoras sobre a prostituição, com uma perspectiva única e que nega a sua autonomia.”
Novos olhares e vulnerabilidades no Mercado Virtual
O crescimento do aliciamento e práticas de exploração sexual e tráfico de pessoas por meios tecnológicos estão se ampliando e se configurando de diversas maneiras, seja pelo aliciamento via publicidade ou aplicativos que movimentam grandes quantias de dinheiro. Trata-se de uma indústria criminosa que usa a tecnologia como “ferramenta catalisadora do potencial violento das redes de traficantes”.
Contribuir no curso “Prostituição: Mudanças, autoimagens confrontações e violências”, abordando o tema “Indústria do sexo e tráfico de Mulheres para fins de Exploração sexual”, é para mim uma honra. Primeiro, pela relevância e urgência do tema; segundo por poder contribuir, somar no fortalecimento da Rede Oblata, que tem um longa trajetória de compromisso com a vida das mulheres em situação de prostituição e com o enfrentamento das realidades que ferem os corpos e a dignidade dessas mulheres, buscando contribuir no seu empoderamento e na superação dos mecanismos geradores destas práticas de exploração, como o tráfico de pessoas. Convicta de que em rede e pela disseminação de informação teremos maiores condições de superação desta realidade, vejo neste curso mais uma oportunidade de ampliar a rede de enfrentamento e construção de uma consciência mais humana, solidária e cidadã nas pessoas, levando-as a romper a indiferença e entrar na rede com gente dizendo NÃO ao Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. (Eurides Alves de Oliveira)
Sugestão de Bibliografia da palestrante:
MEDEIROS, Maria Alice. Tráfico Internacional de Pessoas – A Escravidão Moderna Fundada na
Vulnerabilidade da Vítima.
Disponível em:
https://www.asbrad.org.br/trafico-de-pessoas/trafico-internacional-de-pessoas-a-escravidao-moderna-fu
ndada-na-vulnerabilidade-da-vitima/
Acesso em: 11de outubro de 2021
Desafios e Perspectivas para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil. (Parte II: Tráfico de
pessoas e grupos sociais vulneráveis). Organização: Nair Heloísa Bicalho de Sousa, Adriana Andrade
Miranda, Fabiana Gorenstein. Brasília: Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça, coordenação
de Enfrentamento ao tráfico de pessoas, 2011.
Disponível em https://www.asbrad.org.br/wpcontent/uploads/2018/11/desafiosperspectivasl.pdf.
Acesso em 11 de outubro de 2021
ZÚQUETE Jose Gonçalo Pais Estrela da Silveira, SOUZA, Edinilsa Ramos de, DESLANDES, Suely Ferreira.
Concepções sobre o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual: um estudo com representantes
institucionais no Brasil e em Portugal.
Disponível em:
https://www.scielosp.org/pdf/csp/2016.v32n10/e00075415/pt.
Acesso dia 11 de outubro de 2021
Tráfico de pessoas: uma abordagem para os direitos humanos / Secretaria Nacional de Justiça.
Organização de Fernanda Alves dos Anjos … [et al.]. – 1.ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2013.
Disponível em:
https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos/cartilha_traficodepessoa
s_uma_abordadem_direitos_humanos.pdf.
Acesso em: 11 de outubro de 2021 (sugiro a parte II artigos 11, 12, 13)